A escrivaninha negra com entalhes, os dois candelabros de prata, o cachimbo vermelho. Está sentado, quase invisível, na poltrona, com a janela sempre às suas costas. Por detrás dos óculos, enormes e cautos, observa o interlocutor à luz intensa, ele próprio oculto dentro de suas palavras, dentro da História, com personagens seus, distantes, invulneráveis, capturando a atenção dos outros nos delicados revérberos da safira que traz num dedo, e alerta sempre para saborear-lhes as expressões, nos momentos em que os tolos efebos umedecem os lábios com a língua, admirativamente. E ele, astuto, sôfrego, sensual, o grande inocente, entre o sim e o não, entre o desejo e o remorso, qual balança na mão de um deus, ele oscila por inteiro, enquanto a luz da janela atrás lhe põe na cabeça uma coroa de absolvição e santidade. "Se a poesia não for a remissão - murmura a sós consigo - não esperemos então misericórdia de ninguém". Yannis Ritsos (1909-1990), trad. José Paulo Paes.