(ou o que é o amor, em véspera de solstício) O amor não é isto, disse, sem saber já o que fazer com essa palavra perdida, tresmalhada no pó negro das horas percorridas sem o descanso da noite a separá-las. Esquecia que, para os seres imperfeitos, o amor é um animal selvagem e transformista, devorador de almas e traidor impiedoso de corpos em chamas brevíssimas. Também ela tinha desejado longamente o nome, crendo que, sem ele, jamais teria a coisa ( e que, pura ilusão, bastaria invocá-lo, proferindo o verbo impossível, para que se materializasse , mágico e eterno, o esplendor somente adivinhado). O amor de que conheciao peso e os contornos era bem outro - era o do sangue, o dos laços indissolúveis da linhagem, da casa, nunca o desenho aleatório resultante da humana incerteza de querer. Do amor como serenidade, constância, desejo e determinação pouco sabia. Haveria esse fantasiado amor compósito? Duraria mais do que o instante em que refulgia nos olhares reflexos? Quem tem a resposta no breviário dos dias, quem a solta ao vento do cansaço, quem a fecha em desespero, apertada na palma da mão em sangue?