(gentileza de Jaime Roriz) Pátria lugar de exílio (fragmento) Neste ano de 1962 não como Hazim Hikmet no avião de pedra mas na minha cidade livre de ir onde quiser e no entanto prisioneiro neste ano de 1962 exatamente em Lisboa Avenida de Roma número noventa e três às três horas da tarde Neste ano de 1962 encostado a uma esquina da estação do Rossio esperando talvez a carta que não chega um amor adolescente meu Paris tão distante minha África inútil aqui mesmo aqui de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura cumprindo os pequenos ritos quotidianos cigarro após o almoço café com pouco açúcar má-língua e literatura Aqui mesmo a mão sei quantos graus de latitude e de enjôo crescente solitário e agreste invisível aos olhos dos que amo ignorado por ti pequeno empregado de escritório preocupado com um erro de contas incapaz de dizer toda a minha ternura perária de fábrica com três filhos famintos Aqui mesmo envolto na placidez burguesa higienicamente limpo e com os papéis em ordem vestido de nylon dralon leacril com acabamentos sanitized e lugar marcado junto ao aparelho de TV eu enjoado de tudo e contemporizando com tudo eu peça oleada do mecanismo de trituração eu incapaz de suicídio descerrando um sorriso-gelosia eu apesar de tudo vivo apesar de tudo inquieto eu neste ano de 1962 exatamente não ontem mas precisamente às três horas da tarde pela hora oficial exilado na pátria Daniel Filipe