Hesitei antes de publicar este post, mas ele escreveu-se aos poucos, subterrâneo e procurando a luz escassa e fugaz. Alfredo Pereira Gomes, matemático e humanista, democrata nos tempos em que se perdia a liberdade por desejá-la ampla, morreu há poucos dias. Soube aqui. Tal como o irmão, Soeiro, foi um jovem antifascista, nos dias em que a coragem era o resultado de vencer os medos vários- de perder o emprego (a carreira académica), da polícia, da tortura, do exílio, da prisão. Embora não o contactasse há um pouco mais de dois anos, as ocasiões em que o ouvi falar, na sua pequena sala num rés do chão sossegado, perto da avenida de Roma, com a simplicidade e a elegância discreta que mostrava ao mundo, produziram-me uma impressão duradoura. Ele, como outros já falecidos, dentro os quais recordo o advogado Manuel João da Palma Carlos e o embaixador Humberto Morgado, ou figuras tão densas e ricas como Stella Biker Correia Ribeiro Piteira Santos e Pilar Baptista Ribeiro (creio que ainda vivas, bem dobrado o cabo dos oitenta), mostravam a diferença do tempo longo, de uma vida cheia - com mágoas, glórias, projectos e esperanças. Vidas que atravessaram um século turbulento e perigoso, interessante e arriscado, onde os seus privilégios de nascimento, nuns casos, ou de carreira, noutros, não os desviaram de sacrifícios pessoais em nome de um ideal de igualdade social. Intelectuais que discutiam, discordavam, se zangavam, mas não traíam as causas em que acreditavam. Gente inteira, imperfeita, exemplar. Tê-los conhecido, ter privado, por uma mera circunstância de acaso, com alguns deles, fez-me mais humana.