(gentileza de Amélia Pais) Todo o meu ser é um cântico negro que te levará fazendo-te durar ao despertar dos crescimentos e florescimentos eternos neste cântico eu suspirei tu suspiraste neste cântico eu acrescentei-te à árvore à água ao fogo. A vida é talvez uma rua comprida pela qual uma mulher segurando um cesto passa todos os dias. A vida é talvez uma corda com a qual um homem se enforca num ramo a vida é talvez uma criança a regressar a casa da escola. A vida é talvez acender um cigarro na pausa narcótica entre fazer amor e fazer amor ou o olhar ausente de um homem que passa tirando o chapéu a um outro homem que passa com um sorriso vazio e um bom dia. A vida é talvez esse momento fechado quando o meu olhar se destrói na pupila dos teus olhos e está no sentimento que eu irei pôr na impressão da Lua e na percepção da Noite. Num quarto grande como a solidão o meu coração que é grande como o amor olha os simples pretextos da sua felicidade o belo murchar das flores no vaso a jovem árvore que plantaste no teu jardim e o canto dos canários que cantam para o tamanho de uma janela. Ah este é o meu destino este é o meu destino o meu destino é um céu que desaparece com a queda de uma cortina o meu destino é despenhar-me no voo de estrelas agora inúteis reconquistar qualquer coisa no meio da putrefacção e da nostalgia o meu destino é um passeio triste no jardim das memórias e morrer na dor de uma voz que me diz eu amo as tuas mãos. Irei plantar as minhas mãos no jardim crescerei eu sei eu sei eu sei e as andorinhas virão pôr ovos no vazio das minhas mãos manchadas de tinta. Vou usar um par de cerejas gémeas como brincos e pôr pétalas de dália nas minhas unhas há um beco onde os rapazes que se apaixonaram por mim se demoram ainda com o mesmo cabelo despenteado os mesmos pescoços finos e as mesmas pernas magras e pensam nos sorrisos inocentes de uma rapariga que foi levada pelo vento uma noite. Há um beco que o meu coração roubou às ruas da minha infância. A viagem de uma forma na linha do tempo fecundando a linha do tempo com a forma uma forma consciente de uma imagem a regressar de uma carícia num espelho. E é desta maneira que alguém morre e alguém segue vivendo. Nenhum pescador jamais achará uma pérola num pequeno regato que se esvazia num lago. Eu conheço uma pequena e triste fada que vive num oceano e toca a flauta mágica do seu coração suave, suavemente pequena e triste fada que morre com um beijo todas as noites e com um beijo renasce a cada amanhecer. Forough Farrokhzad