A coisa em si
A linguagem que ensaio comunica
o pensamento às formas recolhidas
e mudas, cujo espírito reside
encoberto na rígida aparência
da pedra:
às vezes líquida aparência
d’água.
Ensaio uma linguagem
que somente os espelhos poderão
apreender: pois que a eles é dado repetir
multiplicar os que falando os assediam.
A eles me rendo com toda a leveza
com que, multiplicado, me incorporo
ao milagre de aceitar-me sério ou rindo,
sem mais sentir-me o outro
no interior - o outro - o que admiro:
belo e fugaz - o outro -
senhor tão pouco de sua presença
pelo que se ausenta atrás da própria face
- sem atribulações.
Aos espelhos me rendo neste ensaio.
No mais quem dirá que serei leve
para me incorporar às coisas definidas,
para me repetir nos meus desejos,
dissociar-me, integrar-me como alento
intangível além da superfície
dos espelhos?
A coisa em si
o tempo
a duração
existe onde?
Em nós ou além do círculo
que nos circunda?
Seremos como o Deus
que estando em todos
é íntegro e disperso
é móvel e é imóvel
uno e divisível?
A coisa em si
o tempo
a sucessão
do ser para o não ser
da vida para a morte
da morte para o enigma
da reencarnação:
Eis o círculo -
e dentro o enorme enigma
a um tempo breve e eterno.
A linguagem que ensaio comunica
o sopro alentador.
Os límpidos cristais se livrarão
de sua beleza silenciosa e fria.
Tocados da linguagem cantarão
dissolvidos e vivos, livres
como águas azuis acomodadas
em seu curso de plena liberdade.
F. Castro Chamma
Publicado em 26 de Fevereiro de 2007