Do carnaval, não se gosta. Suporta-se, ignora-se como se consegue, aproveita-se o instante das reportagens da ordem nos telejornais para falar de outra coisa qualquer. O carnaval é uma quadra básica, popular, um eterno ritual pagão de vingança contra o inverno que se quer moribundo (e o aquecimento global não entra assim tão depressa no imaginário colectivo - o inverno é sempre espectral e rigoroso, mesmo que os termómetros digam o contrário). Mas houve outros carnavais não desprezíveis: os da infância, em que as aulas se interrompiam por quase uma semana e os cinemas passavam os poucos filmes de animação para maiores de 6 anos - e as mães lá iam ao São Jorge ou ao Tivoli com as crianças, compravam pacientemente pães de leite no bar durante os longos intervalos. E à noite, eram elas que usavam belos vestidos compridos e iam, pelo braço orgulhoso ou um pouco cansado dos maridos, aos jantares no Estoril Sol ou no Mónaco. Houve os carnavais do início da adolescência, nos anos 70 das calças de ganga "boca de sino", namorados de cabelo mais comprido do que a norma familiar reputava adequado, festas no sábado em casas de praia de pais mais benévolos - os intermináveis slows a ganharem aos pontos às músicas rock do início da tarde. Depois - e só depois - veio a revolução, a Faculdade, a consciência crítica, os filmes de Fassbinder e de Pasolini, o marxismo ou o seu contrário, e a capacidade adulta, distinta e definitiva de detestar o carnaval.