Rua Guiará
as aves do céu que não
semeiam nem colhem
cantam e cantam numa
rua paulistana ao
araxá do dia
e à dobra da manhã
girando nos gonzos um
suave azul-sem-sol
sobre a fachada dos
pequenos sobrados
às primeiras árvores
que são verdes, ao
primeiro homem que
assustado, desce a
ladeira em mangas de
camisa, ao primeiro furgão
onde se pode ler
‘reportagem’ em letras
verdes sobre um fundo
branco, às últimas luzes
das garagensalternando
amarelos e vermelhos
ainda vivas, às luzes ao
longe, devoradas pelo serrar-se
do dia, à única lâmpada
acesa por trás de um
basculante à frente de
diferentes frascos à distância
de uma quadra, no terceiro e
último andar de um prédio
de uma noite, de um dobre
de finados, e à distância de
muitos e no último andar
da distância, a serra da
cantareira, impassível
no mais encantado
suave, sereno, suspenso
como o canto das aves
do céu que não semeiam
nem colhem, mas
calam as franjas do dia
Ruy Vasconcelos
Publicado em 11 de Abril de 2007