Vazio
Não queriam a vida.
Bastava-lhes a imagem.
Alérgicos a horizontes
não chegavam à janela.
Só miravam a paisagem
por entre câmaras e lentes
cumprindo programas
de turísticas viagens.
Nem poentes nem montes
nem sorrisos nem olhares
confiavam à memória.
Queriam fotos nos álbuns
e carrosséis de slides.
À noite, cegos, não viam
o rastro do dia nos rostos
em torno e, lábios de pedra,
não riscavam a faísca
do diálogo nem o fogo
generoso do convívio.
Preferiam o amor da novela.
Dissolvidos em poltronas
em frente à tela acesa
acordados dormiam
despidos de si mesmos.
Astrid Cabral
Publicado em 4 de Abril de 2007