(gentileza de Amélia Pais) As primeiras coisas eram verdes ou azuis, com água pela cintura; duras esmeraldas umas, outras animais, vibrantes quando lhes toca a luz; o mais das vezes encostados à parede do estábulo, com grandes olhos húmidos e um precipício ao fundo (e as nuvens são o seu bafo). E no entanto, visto à distância exacta, tudo se transforma: o cenário do mundo é só um infinito espaço cheio de coisa nenhuma, e a luz o puro efeito de dois deuses menores que marcam o compasso. É certo que, na chuva, o teu corpo anuncia com seu distante olhar, um prazer que não cabe na estreiteza da fábula; um céu, não duvidemos, acolhe o terno gesto que não foi. Já na parede a meio branca traço, a contragosto, o tempo mal passado que apodrece; e ruminante encosto ao tampo da água o bico ou pincel fosco onde surgira, de repente, nada. Os portões oscilam, e a erva adianta, se nos aproximamos. Claramente vejo como te divides num infinito número simultâneo de mundos. As palavras celebram, mudas, a água na paisagem, verde ou azul, conforme desejaste. Avanço imóvel, descalço sobre a erva, e quando fecho os olhos invade-me a luz por dentro compacta, completa, como as coisas primeiras. António Franco Alexandre