(gentileza de Amélia Pais) Dai-me outra vida e estarei no Caffè Rafaella a cantar. Ou estarei sentado a uma mesa, simplesmente. Ou de pé, como um móvel no corredor, caso essa vida seja menos generosa que a anterior. Contudo, em parte porque nenhum século daqui em diante conseguirá passar sem jazz nem cafeína, aguentarei esse desplante, e pelas minhas rachas e poros, verniz e todo de pó coberto, observarei, daqui a vinte anos, como a tua flor se terá aberto. De um modo geral, lembra-te de que estou por ali. Ou melhor, que um objecto inanimado pode ser o teu pai, sobretudo se os objectos forem mais velhos do que tu, ou maiores. Não os percas de vista, pois, sem dúvida, te julgarão. Seja como for, ama essas coisas, haja ou não encontro. Além disso, pode ser que ainda te lembres duma silhueta, dum contorno, ao passo que eu até isso perderei, juntamente com a restante bagagem. Daí estes versos, algo toscos, na nossa comum linguagem. Joseph Brodsky,trad. Carlos Leite