Desmontar a casa e o amor. Despregar os sentimentos das paredes e lençóis. Recolher as cortinas após a tempestade das conversas. O amor não resistiu às balas, pragas, flores e corpos de intermeio. Empilhar livros, quadros, discos e remorsos. Esperar o infernal juizo final do desamor. Vizinhos se assustam de manhã ante os destroços junto à porta: -pareciam se amar tanto! Houve um tempo: uma casa de campo, fotos em Veneza, um tempo em que sorridente o amor aglutinava festas e jantares. Amou-se um certo modo de despir-se de pentear-se. Amou-se um sorriso e um certo modo de botar a mesa. Amou-se um certo modo de amar. No entanto, o amor bate em retirada com suas roupas amassadas, tropas de insultos malas desesperadas, soluços embargados. Faltou amor no amor? Gastou-se o amor no amor? Fartou-se o amor? No quarto dos filhos outra derrota à vista: bonecos e brinquedos pendem numa colagem de afetos natimortos. O amor ruiu e tem pressa de ir embora envergonhado. Erguerá outra casa, o amor? Escolherá objetos, morará na praia? Viajará na neve e na neblina? Tonto, perplexo, sem rumo um corpo sai porta afora com pedaços de passado na cabeça e um impreciso futuro. No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo. Affonso Romano de Sant'Anna