(gentileza de Amélia Pais) Metade do tempo consumada ou ainda mais. No peito, a mesma fome, a mesma sede do menino, do rapaz. O mesmo olhar perplexo o mesmo sem resposta gesto crispado interrogando. (É dezembro e noite e abro a janela e vejo outras janelas iluminadas. Ali há vida, como na rua, como no campo, e no mar e nos velozes aparelhos que cortam o espaço e talvez noutros planetas e universos. Como há incontáveis séculos e provavelmente amnhã. Mas tudo rápido demais que nem nos podemos saber e partimos no mesmo escuro em que chegamos.) Perdi colegas, namoradas, cães. Perdi árvores, pássaros, perdi um rio e eu mesmo nele me banhando. Isto o que ganhei: essas perdas. Isto o que ficou: esse tesouro de ausências. (A noite avança, e as janelas aos poucos se apagam. No silêncio meu coração permanece iluminado. Eis que trabalha, fiel, mesmo quando revela a si mesmo em breve imóvel ou, depois, a última estrela sem testemunhas no céu final.) Ruy Espinheira Filho