Em sua marmita não leva o operário qualquer metafísica. Leva peixe frito, arroz e feijão. Dentro dela tudo tem lugar marcado. Tudo é limitado e nada é infinito. A caneca d'água tem espaço apenas para a sua sede. E a marmita é igual à boca do estômago, feita sob medida para a sua fome. E quando termina sua refeição, ele ainda cata todas as migalhas, todo esse farelo de um pão que suasse durante o trabalho. Tudo quanto ganha o operário aplica como um capital em sua marmita. E o que ele não ganha embora trabalhe é outro capital que também investe: palavra que diz em seu sindicato, frase que se escreve no muro da fábrica, visão do futuro que nasce em seus olhos que só com fumaça se enchem de lágrimas. Em sua marmita não leva o operário o caviar de qualquer metafísica. E sendo ele o mais exato dos homens tudo nele é físico e material, tem seu nome e forma, seu peso e volume, pode-se pegar. Seu amor tem saia pêlos e mucosas e, fecundo, faz novos operários. As coisas se medem pelo seu tamanho: sono, mesa, trave. No trem ou no bonde nenhum operário pode se espalhar sem fazer esforço. É como no mundo: — tem que empurrar. Vasilhame cheio de matéria justa, sua vida é exata como uma marmita. Nela cabe apenas toda a sua vida. E não cabe a morte que esta não existe, não sendo manual, não sendo uma peça de recauchutar. (Artigo infinito, sem ferro e sem aço, qualquer um a embrulha sem usar barbante ou papel almaço.) Fabril e imanente o operário vive do que sabe e faz e, sendo vivente, respira o que vê. O tempo que o suja de óleo e fuligem é o mesmo que o lava, tempo feito de água aberta na tarde e não de relógio. E a própria marmita também é lavada. E quando ele a leva de volta pra casa ela, metal, cheira menos a comida do que a operário. Lêdo Ivo