A prudência do sentimento requer um uso da linguagem capaz de se apropriar dos exercícios de perícia que o tinham suspenso nas palavras para pela dor procurar dar consistência às fracturas que nele tinha provocado a vista do precipício. O olhar perdera-se no horizonte mas o corpo, anestesiado pelo vento, deixara-o de sentir à medida que no ar o esculpiam a cinza e a urze. Já teria caído? Parte de si deslocara-se da protecção do corpo e fitava-o de baixo, à espera que a gravidade o levasse a conhecer, pela queda, as razões do sucedido. Anos depois continuava sem perceber a novidade do movimento que o arrancou do muro e o trouxe outra vez para as clareiras da superfície. Nalgum ponto o medo tocou a imensidão do corpo para assim fazer coincidir, pelo gesto, o mundo consigo. Mas o real não, que nunca recuperou da imagem que, ao cair, embrulhou num corpo a certeza mesmo de ter vivido. Fernando Guerreiro