Fragmentos do Livro das Quedas
“Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração que em vós confia?”
Sá de Miranda
A casa de meu avô ficou sempre
inacabada, a infância que lá vivi
também. Os lobos do lugar,
onde já não há lobos,
mastigam a sua rosa no sangue
de outros corpos – o meu corpo não seria
uma casa, casa nenhuma
se ficasse concluído. Uma casa humilde,
mudável, interrompida
é uma espécie de poema onde o desejo de
permanecer é mais intenso
do que o desejo de pronunciar a palavra
“perfeição”: uma coisa viva
jamais é perfeita. Em cada rosa
há um lobo que navega
onde parece não haver água
nem olhos nem coração que veja
o caminho da água.
Casimiro de Brito
Publicado em 15 de Agosto de 2007