Para arder no lume da intensa doçura é preciso desviar a palavra do seu alvo redondo e balbuciar vacilando em verdes veredas o som vegetal da nua imperfeição Se as consoantes rangem com uma matéria espessa se as vogais oscilam como se fossem de água é porque de algum modo é a terra que vibra e quanto mais áspero é o movimento das sílabas mais se toca o osso do discurso na sua indolente violência Como quem acende um fogo com ramos entre pedras e o sopra lentamente para que a chama se eleve assim os materiais do poema têm a natural secura da matéria inerte e gasta e que no entanto se inflama para que possamos arder no lume da intensa doçura e consagrar o que ainda resta do primitivo fogo para que o mundo avançando retorne ao seu princípio António Ramos Rosa