(gentileza de Amélia Pais) É porque ninguém me ouve e ninguém me vigia e ninguém me acolhe que a minha imaginação é livre e o meu espaço permanentemente novo Se algum deus habita este vazio é o deus do vazio um deus que perdeu a sua densidade enigmática e é apenas o espectro de uma radiografia branca Ergo como um insecto as frágeis antenas para o espaço Sinto a ébria lucidez da minha liberdade Posso dizer tudo porque a leveza é transparente porque reconheço os anéis do silêncio o leque de uma linguagem nova Na minha garganta abriu-se o poço do oásis e o vento da imaginação sublevou-se nas minhas veias Sei que habito as palavras com os meus lábios solares ou os seus lábios de noite É por elas que sinto o sabor do pão e da terra e vejo as cintilantes arcas das constelações Tudo é puramente imaginado tudo é prodigiosamente real Ninguém me segreda os nomes que irei dizer com a limpidez do sal ou duros e negros como a obsidiana Ninguém me impede que envolva num arco a cruel doçura de um sexo vermelho e puro Ninguém me proibe que me multiplique que me dilate para ser cada vez mais a floração do espaço na sua liberdade de ser cada vez mais espaço António Ramos Rosa