(gentileza de amélia Pais) Não se pode prever. Sucede sempre quando menos o esperas. Pode acontecer que vás pela rua, depressa, porque se faz tarde para pôr uma carta no correio, ou que te encontres em casa de noite, a ler um livro que não consegue convencer-te; pode acontecer também que seja verão e te tenhas sentado na esplanada de um café, ou seja inverno e chova e te doam os ossos; que estejas triste ou fatigado, que tenhas trinta anos ou sessenta. É imprevisível. Nunca sabes quando nem como ocorrerá. Decorre tua vida igual a ontem, comum e quotidiana. «Um dia mais», dizes para ti. E de súbito desata-se uma luz poderosíssima dentro de ti e deixas de ser o homem que eras há só um momento. O mundo, agora, é para ti diferente. Dilata-se magicamente o tempo, como naqueles dias tão longos da infância e respiras à margem de seu escuro fluir e seu estrago. Pradarias do presente, por onde erras livre de cuidados e culpas. Uma agudeza insólita mora em teu ser: tudo está claro, tudo ocupa o seu lugar, tudo coincide e tu, sem luta, compreende-lo. Talvez dure um instante o milagre; depois as coisas voltam a ser como eram antes que essa luz te desse tanta verdade, tanta misericórdia. Mas sentes-te calmo, puro, feliz, salvo, cheio de gratidão. E cantas, cantas. Eloy Sánchez Rosillo, trad. José Bento _____________