Há uma rotação do teu corpo – Andas pela casa: és um leve rumor sob o silêncio um rumor que alumia a sombra silenciosa; na sala, o homem quase surdo quase cego ouve-te, julga reconhecer-te: vens aí. Estás aqui. O intervalo de tempo já começou: há uma rotação no teu corpo que me exclui do mundo e entretanto é feita para mim; atinge-me à velocidade da luz. E eu o homem quase surdo quase cego sou tomado pelo vento do fogo que me consome até ser apenas a última brasa: pequenas ravinas de luz o incêndio restante sob a exausta crosta da terra Estavas, estiveste ali. O tempo recomeça. Apareces e desapareces. Como a luz do farol disparando no céu sobre as casas ou como o anúncio luminoso do prédio em frente que varre intermitente a obscuridade do quarto no filme. Quando voltará? É como se soubesses que voltará, sim, e que não, não poderá voltar. Quando, e se voltar, serei eu talvez quem já lá não está. Quando é quando? Quanto tempo ainda poderá o mundo voltar à possibilidade dessa forma? Manuel Gusmão