Estou ouvindo sem ouvir o que sempre ouço o anónimo rumor de tudo ser o que é tão irrevogável como o silêncio que através dele é só silêncio Nunca uma palavra ou um gesto poderá alterar esta ausência do que nunca se manifesta mas que faz surgir os seres e as coisas Tal é o domínio da existência a que não se pode fugir e em que se morre com a boca apagada por um grito ou um suspiro O que acontece em cada dia é o fortuito fluir do que só é necessário em si mas não para nós Não nós não estamos no mundo mas na distância insuperável de um ser inacessível e essa distância somos nós Nunca poderemos conhecer o insondável ser que não é mais do que tudo o que é mas sem o ser Em vão procuramos a presença deste ausente Sabemos que se ele se manifestasse o mundo não seria o mundo e a sua presença seria um excesso que anularia a nossa liberdade Não há contrapartida para o desamparo não há consumação para o que no existir é a crispada urgência e a morte é sempre extemporânea António Ramos Rosa