Do norte do norte as águias decolam para vôos sem volta. Lá, tudo começa: a voz do mudo, a vez do mundo. No norte do norte as águas brotam do solo e o fogo se consome, queimando a cera do tempo. No norte do norte, mora Deus, o dono da sorte, pelo menos à noite. Lá se consuma o pecado de cada um, surgido do zero. No norte do norte, da terra é soprado o barro humano, bafo de vida. Ao sul do sul as águias sempre voltam de vôos sem ida. Lá se chega sempre ao nada, ao nenhum talvez, decerto a ninguém. No sul do sul, as águas se lavam em si mesmas. E o fogo se extingue em cinza morna. No sul do sul, Deus vive de dia, na casa de sempre, erguida sobre ocos do vazio. Lá, se colhe a semente da morte na seara das virtudes de todos, abrigados no sem fim do infinito. No sul do sul, o último sopro, matéria divina, solfeja adeuses em lábios selados. Entre o sul do sul e o norte do norte a leste e oeste, o medo traça o destino parco de quem se sente imenso. Entre o começo do fim e o fim do começo, o compasso do verso. Lá Deus repousa a sesta do guerreiro da paz à sombra da luz das estrelas. O sono divino vela a angústia do homem de não se saber apenas um sonho, nem sempre um pesadelo, mas inevitavelmente uma miragem de fumaça, uma nuvem opaca de pó seco e denso mistério. José Nêumanne Pinto