Estes corpos que somos são estranhas invenções delirantes: tu não tens rodas e contudo rodaste como se uma hélice te elevasse só de um lado, te aspirasse até um outro estrato aéreo, ou como se tu própria, folha aérea, folheasses o ar e o mundo estremecesse fora dos eixos. Isso imprime-se nas areias do cérebro. Depois, viesse um vento e desfaria as dunas desse mapa: a impressão ondula, muda de lugar, mas resiste. É uma fotografia desfocada uma tatuagem a outra sobreposta uma cicatriz que esqueceu a ferida. Interrompe-se aqui e ali deixa de ser uma linha fina, um risco no mundo, para ser uma corda que se entrança e entrança o mundo. Há qualquer coisa de movente fixo: por mais que o tentes, o programa não deixa que se apague toda e para sempre. Desligas a máquina, mas o sulco permanece no écran. Escreves-lhe em cima: não desaparece, mas troca automática mente algumas letras; Encharcas-te em álcool, tabaco e comprimidos mas a coisa insiste movida pelo fluxo e refluxo das imagens, das águas, das areias, das sombras. Manuel Gusmão