(gentileza de Amélia Pais) Metade da gente do mundo ama a outra metade, metade da gente odeia a outra metade. Por causa desta e daquela metade terei eu de vaguear e me transformar incessantemente como chuva no seu ciclo, terei eu de dormir entre rochas, tornar-me áspero como os troncos das oliveiras, e ouvir a lua uivar para mim, e camuflar o meu amor com receios, e brotar como erva assustada entre os carris do caminho de ferro, e viver submerso como uma toupeira, e quedar-me com raízes mas sem ramos, e não sentir a minha face contra a face de anjos, e amar na primeira caverna, e casar com a minha mulher sob uma abóbada de vigas que sustentam a Terra, e expressar a minha morte, sempre até ao último sopro e às últimas palavras e sem nunca compreender, e colocar mastros sobre o telhado da minha casa e um abrigo antiaéreo debaixo dela. E ir apenas para regressar e passar por todos os lugares ? gato, pau, fogo, talhante, entre o cabrito e o anjo da morte? Metade da gente ama, metade da gente odeia. E qual é o meu lugar entre tais iguais metades, e por que fenda verei eu o bairro de casas brancas dos meus sonhos e as pegadas nuas na areia ou, pelo menos, o lenço da mulher que acena junto às dunas? Yehuda Amichai