Estou sentado no trono de pedra que me entregaram os deuses para pensar em ti. Em frente, o mar oceano abre-se como um limite inexpugnável à minha solidão despojada, levemente tocada por ínfimas recordações do tempo em que a felicidade existia e os ventos eram ainda o bálsamo apaziguador. Tomo um álcool fortíssimo que me violenta as entranhas com um vómito grotesco e abro as narinas para a brisa salgada que vem dos lados em que a claridade mortiça cega atrozmente as aves de arribação que hão-de partir para outras paragens mais dóceis que esta provação infinita. O céu despeja no horizonte brilhos e sons inefáveis, crispa os fugazes navios que demandam a salvação, dissipa as últimas nuvens que lentamente se transformam em minúsculos grãos de fogo que infectam os ares com os silvos agudos que produzem na queda. Atrás de mim, a grande mão das coisas levita suavemente pela escuridão da cidade, arrastando pelos cabelos a cabeça degolada do último profeta que em vão invocou o teu nome antes que a trombeta soasse e a perdição fosse total e definitiva: – " Não sou deste lugar e o meu reino é outro." Sob o meu olhar desolado um cisne inscreve na neblina a dúvida insolúvel, penso em ti, o mar imortal da nossa redenção, o efémero mistério da eternidade que salva e castiga. Amadeu Baptista