Cúmplices
Estou sentado no trono de pedra
que me entregaram os deuses para pensar em ti.
Em frente, o mar oceano abre-se como um limite
inexpugnável à minha solidão despojada,
levemente tocada por ínfimas recordações
do tempo em que a felicidade existia
e os ventos eram ainda o bálsamo apaziguador.
Tomo um álcool fortíssimo que me violenta
as entranhas com um vómito grotesco
e abro as narinas para a brisa salgada
que vem dos lados em que a claridade mortiça
cega atrozmente as aves de arribação
que hão-de partir para outras paragens
mais dóceis que esta provação infinita.
O céu despeja no horizonte brilhos e sons inefáveis, crispa
os fugazes navios que demandam a salvação, dissipa
as últimas nuvens que lentamente se transformam
em minúsculos grãos de fogo
que infectam os ares com os silvos agudos que produzem
na queda.
Atrás de mim, a grande mão das coisas
levita suavemente pela escuridão da cidade,
arrastando pelos cabelos a cabeça degolada do último profeta
que em vão invocou o teu nome antes que a trombeta soasse
e a perdição fosse total e definitiva:
– " Não sou deste lugar e o meu reino é outro."
Sob o meu olhar desolado um cisne
inscreve na neblina a dúvida insolúvel,
penso em ti,
o mar imortal da nossa redenção,
o efémero mistério da eternidade
que salva e castiga.
Amadeu Baptista
Publicado em 25 de Dezembro de 2007