Não é a correria das compras em excesso que me incomoda, porque não as faço para além da conta e peso recomendados pelo bom senso. Não é o gasto a pesar de mais no orçamento, porque o consumo, cá em casa, nunca foi a medida de todas as coisas, mas sim dimensionado por quem faz as contas. Não são os engarrafamentos e os nervos para estacionar, porque basta ficar por casa ou ir tomar um café junto à praia, com a esplanada quase deserta apesar do sol ter feito a benesse de regressar. É a repetição do esforço para dar algum sentido a uma data que se escapa e torna difusa - a não ser que se troque esta réstea da cultura cristã pela natura e se queira ver neste ritual de proximidade com os outros a busca de algum aconchego para enfrentar o inverno que começou por estes dias. A memória das grandes mesas de Natal, com a família alargada, missas do Galo e consoadas pantagruélicas é-me complemente alheia,sendo filha única de dois filhos únicos; o final da infância e a adolescência têm em arquivo uma série, não de natais, mas de algo que me parecia bem mais aliciante: férias de natal, em Madrid ou em Candanchu (ainda a maioria dos portugueses não se tinha lembrado de procurar a neve), em Londres ou em Soldeu. Não por snobismo, mas porque uma família de pais, uma filha e uma avó viúva que tinha decretado luto eterno passava bem melhor a quadra a ver museus ou a experimentar gastronomias diferentes do que a repetir gestos que se tornariam quase obrigatórios ficando em casa. Essa semana era sempre uma espécie de exílio pacificado. As tentativas (e mesmo as práticas reiteradas, anos depois, com os filhos pequenos e a família somada) de celebrar o Natal em casa,ainda hoje, me pedem sobretudo uma coisa: paciência.