Às vezes, ocorre um autor estar aquém — do próprio texto. De o texto ter-se feito, além dos dedos, como gavinha que inventou a direção de seu verde, e fonte que minou o inconsciente segredo. Um texto ou coisa que ultrapassa a régua, a etiqueta e o medo, copo que se derrama, corpo que no amor transborda a cama e se alucina de gozo onde havia obrigação. Enfim, um texto operário que abandonou o patrão. Às vezes ocorre um autor estar aquém da criação. O texto-sábio criando asas e o autor pastando grudado ao chão. — Como pode um peixe vivo estar aquém do próprio rio? — Que coisa é esse bicho que rompe as grades do circo e se lança na floresta no descontrole de fera? — Que coisa é essa que se enrola? É fumaça? ou texto? que se alça do carvão? Lá vai o poema ou trem que larga o maquinista na estação e se interna no sertão. Ali o poema olhado de binóculo — só de longe tocado — e o autor, falso piloto largado na pista ou salas do aeroporto, atrás do vidro, enquanto o texto levanta seu vôo cego com o radar da emoção. Enfim, um poema que vira pássaro onde termina a mão ou avião desgovernado que ilude o autor e a pista e explode na escuridão. Affonso Romano de Sant'Anna