Paisagem pela Escada
a Annibal Augusto Gama
Subia os degraus da escada
sem ver o que estava à frente
Subia falando sozinho
sem ver que ia acompanhado
Subia grudado à parede
por ver a infinita altura
Subia poeticamente homem
sem ver o escarro no asfalto
Ao fim desta escadaria
agarrado ao corrimão
seu lento olho arredondou-se
Mirante aos olhos abertos
a Vida entre céu e mar
Versos estrondeando telas
telas embuçando versos
Toda parte cavaletes
todo lado papéis penas
Mal contida a harmonia
razia de poetas e pintores
Pincéis na mão contra os versos
fios de versos contra as tintas
No alto da filáucia, a máquina
do mundo há muito o esperava
Mesa posta só para ele
pães vinhos sonhos quimeras
Banquete aos olhos oferto
toda a vida a descoberto
Que me adianta ver além
do horto, se este cisco no olho?
E vazando incredulidade
à Tela e ao Texto imposto
a vista fez-se em negativas
Muros no Alto de Pinheiros
Bela Vista e saturados
olhos sobre o fim do mundo
Não sou o primeiro nem o último
a negar-se a ver o Todo?
Ao retirar do olho o cisco
voejaram letras borrões
Pergaminhos quase afônicos
pinturas precipitando-se
toda paisagem pela escada
paredes e altura abaixo
Marco Aqueiva, do livro inédito Passagens em Paisagem Obrigatória.
Publicado em 22 de Janeiro de 2008