Última Estação IV
De novo e sempre o mesmo, dir-me-ás, amigo.
Contudo, o pensamento do exilado, o pensamento do prisioneiro, o pensamento
Do homem que também se viu reduzido a mercadoria
Tenta mudar-lho, que não consegues.
Queria, se calhar, ser rei dos antropófagos
Desbaratar forças que ninguém procura
E passear pelos campos de agapantos
E ouvir os batuques debaixo dos bambus
Enquanto os cortesãos dançam com máscaras grotescas
Mas a Terra que massacram e queimam como um pinheiro e que vês,
Ou no vagão escuro, sem água, partidas as vidraças, durante noites e noites,
Ou no barco incendiado que há-de naufragar como ensinam as estatísticas,
Tudo isso criou raízes no espírito e não muda,
Tudo isso floriu imagens parecidas às árvores
Que lançam na floresta virgem seus ramos
Que voltam a cravar-se na terra e a florir
E lançam ramos e voltam a florir e galgam léguas e léguas,
Uma floresta virgem de folhas mortas é o nosso espírito.
E se te falo por fábulas e parábolas,
É porque assim são mais doces ao teu ouvido e porque o terror
Não se fala, que é coisa viva,
Que é coisa muda e avança sem parar;
Goteja todo o dia, goteja durante a noite
A dor das recordações.
Giórgos Seferis, tradução Manuel Resende
Publicado em 7 de Fevereiro de 2008