Voltei ontem à terra e havia eucaliptos no lugar dos pinheiros onde costumávamos pendurar os baloiços. Atravessei em ponto morto a estrada principal, as casas velhas mais velhas e as vivendas novas com crianças desconhecidas à porta. Dois miúdos brincavam perto da escola, agora cercada por um gradeamento em ferro, e um espasmo medular revelou-me de novo a indistinta proximidade entre a inocência e as prisões do homem. Havia também cerejeiras e pessegueiros em flor no quintal da casa que fora já da nossa família. Estudei as pessoas que lá vivem e prometi reavê-la um dia. Lembrei-me dos ciclos da natureza. Quando chovia como ontem, no princípio da Primavera, o quintal ficava repleto de laranjas e depois um verde molhado escorria pelas encostas até bem perto de nós e um sopro de juventude alastrava-se pela superfície da terra. Hoje entrei no carro de manhã cedo para voltar à cidade onde fervilham as minhas fantasias de adulto, atravessei em ponto morto a estrada principal, olhei as casas e as crianças, e quando contornei a derradeira curva reparei que levava no lugar do meu corpo uma cerejeira em flor. Paulo Tavares