Quase na hora do sono...
(gentileza de Amélia Pais)
Estão ainda aos bocejos, os meus versos.
Nunca me habituarei a isto. Eles habitaram aqui
tempo que chegasse.
E agora chega. Ponho-os fora de casa, não vou esperar
até os dedos dos pés lhes esfriarem.
Sem o incómodo do seu confuso esbracejo,
quero escutar o zumbido do sol
ou o do meu coração, essa traiçoeira esponja a endurecer.
Os meus versos não fornicam à moda clássica.
Balbuciam ordinarices ou vociferam com dignidade exagerada.
No Inverno, racham-lhes os lábios,
na Primavera, estendem-se por terra aos primeiros calores,
atrapalham o meu Verão
e no Outono cheiram a mulheres.
Chega. Durante mais doze versos nesta página
esqueço-lhes as traquinices
e em seguida um pontapé no cu.
Vão maçar para outro sítio, rimas de tostão,
vão tremer para outra parte por causa de doze leitores
e de um crítico a ressonar.
Ide agora, versos meus, nos vossos pés ligeiros,
não calcastes com força o velho chão
onde as sepulturas riem vendo os hóspedes,
um cadáver sobre o outro amontoado.
Ide agora, e cambaleai na direcção daquela
que eu desconheço.
Hugo Claus, trad. de Fernando Venâncio
Publicado em 28 de Abril de 2008