(gentileza de Amélia Pais) Estão ainda aos bocejos, os meus versos. Nunca me habituarei a isto. Eles habitaram aqui tempo que chegasse. E agora chega. Ponho-os fora de casa, não vou esperar até os dedos dos pés lhes esfriarem. Sem o incómodo do seu confuso esbracejo, quero escutar o zumbido do sol ou o do meu coração, essa traiçoeira esponja a endurecer. Os meus versos não fornicam à moda clássica. Balbuciam ordinarices ou vociferam com dignidade exagerada. No Inverno, racham-lhes os lábios, na Primavera, estendem-se por terra aos primeiros calores, atrapalham o meu Verão e no Outono cheiram a mulheres. Chega. Durante mais doze versos nesta página esqueço-lhes as traquinices e em seguida um pontapé no cu. Vão maçar para outro sítio, rimas de tostão, vão tremer para outra parte por causa de doze leitores e de um crítico a ressonar. Ide agora, versos meus, nos vossos pés ligeiros, não calcastes com força o velho chão onde as sepulturas riem vendo os hóspedes, um cadáver sobre o outro amontoado. Ide agora, e cambaleai na direcção daquela que eu desconheço. Hugo Claus, trad. de Fernando Venâncio