(gentileza de Amélia Pais) Vocês não sabem mas todas as manhãs me preparo para ser, de novo, aquele homem. Arrumo as aflições, as carências, as poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir, o vinagre para as mágoas e o cansaço que usarei mais para o fim da tarde. À hora do costume, estou no meu respeitoso emprego: o de Secretário de Informação e de Relações Públicas. Aturo pacientemente os colegas, felizes em seus ostentosos cargos, em suas mesas repletas de ofícios, os ares importantes dos chefes meticulosamente empacotados em seus fatos, a lenta e indiferente preguiça do tempo. Todas as manhãs tudo se repete. O poeta Eduardo White se despede de mim à porta de casa, agradece-me o esforço que é mantê-lo alimentado, vestido e bebido (ele sem mover palha) me lembra o pão que devo trazer, os rebuçados para prender o Sandro, o sorriso luzidio e feliz para a Olga, e alguma disposição da que me reste para os amigos que, mais logo, possam eventualmente aparecer. Depois, ao fim da tarde, já com as obrigações cumpridas, rumo a casa. À porta me esperam a mulher, o filho e o poeta. A todos cumprimento de igual modo. Um largo sorriso no rosto, um expresso cansaço nos olhos, para que de mim se apiedem e se esmerem no respeito, e aquele costumeiro morro de fome. Então à mesa, religiosamente comemos os quatro o jantar de três (que o poeta inconsta na ficha do agregado). Fingidamente satisfeito ensaio um largo bocejo e do homem me dispo. Chamo pela Olga para que o pendure, junto ao resto da roupa, com aquele jeito que só ela tem de o encabidar sem o amarrotar. O poeta, visto-o depois e é com ele que amo escrevo versos e faço filhos. Eduardo White