As Aves 1 Diversas, pousam-nos, habitam-nos por dentro, as aves. Por que milagre ainda quando negras voam branco? As aves abundam nos antigos caminhos: umas são comestíveis, outras têm cores. O bico, um certeiro utensílio. Aves flutuantes, a quem são vulneráveis tão íngremes lugares, convosco transportai nossas dores, aflições. Oh, rogai por nós, que recorremos a vós. Dispensai à funda cidade a graça de vosso olhar oblíquo e concentrado, olho após olho, com método revezado. Alcançai dos astros, de 2 quem sois vizinhas e rivais, cálidas disposições favoráveis. Por que voareis, senão por nosso (que vos adoramos) benefício? Depositai-nos nas sôfregas gargantas gases raros, vitais, trazidos no precário recipiente dos bicos: tudo o que venha da altitude tem um nome ao som do qual nos prostraremos. As aves, as aves!, a asa refeita e veloz sobre as cabeças, sobre o vale de lágrimas, seus guinchos povoando a tensa solidão desta viagem. 3 Lugar às aves: às que voando perturbam as vísceras do tempo; às que nem sempre trazem cura, mas sim no bico perverso alimentos letais; às que (advogadas nossas!) (de tantas cores!) nos devoram os sentidos. Lugar às aves: a gratuita rapacidade, a existência breve, os membros exíguos, de improviso. Lugar às aves, as sobrevoadoras, mais leves, mais pesadas do que o ar. A. M. Pires Cabral