Kefiah
(fragmento)
Escuta-me o silêncio, tímpano oceânico e sentinela obscuro
dos que ao relento armadilham as criaturas da alvorada, o eco
de um sussurro que vem de um lugar onde o sacrifício
não foi suficiente
para aplacar a ira das entidades fantásticas
que dominam o voo nocturno das paixões
e a harmoniosa elasticidade dos mastins;
escuta-me o silêncio,
tu que podes ainda perdoar e retroceder, tu que esperas
a nossa rendição incondicional,
tu a quem pedimos para exercer a roda do destino
a nosso favor sem que nos queiras atender, misericórdia
sem misericórdia pelos que vão lacerados por uma culpa
que lhes não pertence,
malditos
inflamados pelo baptismo de guerra que nos foi concedido, furor
preso à cintura como o sabre dos que nos executam
e que por interposição do nosso nome
recebem o oiro por que jamais nos venderemos – escuta-me
o silêncio,
escuta-nos,
porque há um nome definitivo que nos espera, uma pedra
cintilante e um cântico magnânimo
no fluxo mágico da terra e no derradeiro sol da angústia
dos que procuram a estrela ignorada, o astro impossível
que se oculta no obsessivo mistério
da nossa solidão desesperada.
Amadeu Baptista
Publicado em 18 de Maio de 2008