Não sei o que é um espírito. Ninguém conhece a fundo a luz do seu abismo enquanto o vento, à noite, vai abrindo as infinitas portas de uma casa vazia. A minha voz procura responder a outra voz, ao choro dos espectros que celebram a sua missa negra, o seu eterno sobressalto. Num ermo da cidade magoada escuto ainda o rumor de um oráculo, a febre de um adeus que se prolonga no estertor dos ponteiros de um relógio, nesse ritmo feroz, na pulsação do meu sangue exilado que recorda um abrigo divino. pai nosso, que estás entre o céu e a terra, conduz-me ao precipício onde hibernou a alma e ensina-me a romper a madrugada como se a minha face fosse um estilhaço da tua e nela derretessem, por milagre, estas gotas de gelo ou de cristal que não sabem ser lágrimas. Fernando Pinto do Amaral