Na varanda sem paz eu vejo o mar mas já não vejo junto desses olhos que viam o mar amordaçar-me. A varanda, todavia, ainda traz na ondulação, nas maresias a ilusão de um silêncio em que tu pretendias: aqui, nesta lei tão dura, senti que nada mais terei do que ser de ti. A varanda continua a sua conjura, eu continuo o desgaste do mar só que noutra jura a tua vida dura e até o mar te deixou de esperar. O vário vento que vem e que voa sobre argolas com vasos de gerânios que tombam vagarosos e rosas sobre ruas ruidosas de Lisboa toca ao de leve no copo por que bebo esquecido e sozinho ali onde dantes vinhas com o maior apego ouvir ao fim da tarde eu olhar para ti. Ao alto dessas ruas que Lisboa já não tem havia um andar quase arruinado com o estilhaço, a cólera, o fermento de quem se resignava também a que não valesse a pena nada. No vagar desse desmoronamento essa ruína foi tua e foi minha, o seu reboco de cal, a pele refém, a cisterna petrificada. Amávamo-nos entre eléctricos que passavam do nascer do dia até ao nascer do dia. Não há nada que se peça que nos seja dado mesmo quando gritamos alto por perdão. Merecemos tudo o que ficou fragmentado no pensamento que não sabe inebriar-se quando os sentidos perderam o condão. Essas ruas de Lisboa que findaram como findaram os dedos que prenderam o bordão de ternura que tantos outros nos cortaram. Tal qual o prédio caímos e apenas o pó desenha entre o que nem persigo um resto que sabe que está só porque nenhuma solidão vem ter consigo. Joaquim Manuel Magalhães