Um braço de rio que se solta da margem os ramos prolongam, na água, a nostalgia de terra. A pureza da luz não atravessa a superfície para se perder num fundo que não se adivinha (ali, onde a corrente faz saltar as espumas do centro, ninguém se aventura - mesmo que as pedras separem o curso branco das águas). «Que é isto?», perguntas. A parábola capital a tua vida cortada ao meio, como se não houvesse uma direcção única a prosseguir até ao fim. «Nem no amor?» Porém, a tarde traz consigo o frio, a visão transparente dos montes, e até o canto dos pássaros parece mais nítido, como se nenhuma outra vibração o contaminasse. Respiro contigo o conhecimento da realidade mesmo que ele passe pela descoberta de outra vida, pelo contacto entre duas solidões, ou apenas por uma breve hesitação antes que os lábios se toquem, levando um e outro a saltar a outra margem - a mais abstracta a que apenas separa um corpo de outro corpo e, por cima disso, define os limites da razão e do sentimento. Nuno Júdice