Com palavras usadas gastas pelo tempo e o hábito, cujo último alento já se diluiu. Com palavras, como sonhos, queimadas pela vida, nesta noite chuvosa, falo contigo ou pelo menos tento, ligeiramente ébrio, extraindo cada sílaba do país do nunca jamais. E sentindo essa repentina lucidez com a qual, de imediato, rompemos a rotina de ser e conhecer-nos, sentindo, digo, essa rara sensação distante e exangue do whisky, da noite e do silêncio; do ardente desespero com que aceitamos a derrota, dessa vertigem, às vezes -só às vezes -tua e minha, na qual morremos sorrindo de olhos abertos. Sentindo o pouco que é um beijo ao fundo da tua língua ou os teus olhos espraiados nos meus, ou as nossas mãos unidas no ar, percorrendo um museu de assumidos fracassos. Desfilam, batalhão desolado de fantasmas, nomes e nomes de tão distintos ecos. Pretendemos, com abolidos rostos, datas caducadas e cidades inatingíveis, responder a uma velha questão cuja resposta só a morte já conhece. Anos e anos, voluntários exílios de seres e países, os filhos que não quis ter, os que tu sim tiveste, o tremor do desejo que ainda guardas na tua pele, o meu eterno navegar de cama em cama, reúnem-se e afirmam o seu destino frente à cerimónia do amanhecer. Juan Luis Panero, versão de António Cabrita e Teresa Noronha