Não desisti de habitar a arca azul do antiquíssimo sossego do universo. A minha ascendência é o sol e uma montanha verde e a lisa ondulação do mar unânime. Há novecentas mil nebulosas espirais mas só o teu corpo é um arbusto que sangra e tem lábios eléctricos e perfuma as paredes. Aos confins tranquilos entre ilhas mar e montes vou buscar o veludo e o ouro da nostalgia. Deponho a minha cabeça frágil sobre as mãos de uma mulher de onde a chuva jorra pelos poros. Ó nascente clara e mais ardente do que o sangue, sorvo o cálice do teu sexo de orquídea incandescente! A minha vida é uma lenta pulsação sob o grande vinho da sombra, sob o sono do sol. Há bois lentos e profundos no meu corpo de um outono compacto e negro como um século. Com simultâneas estrelas nas têmporas e nas mãos a deusa da noite, sonâmbula, desliza. Ao rumor da folhagem e da areia escrevo o teu odor de sangue, a tua livre arquitectura. Prisioneiro de longínquas raízes ergo sobre a minha ferida uma torre vertical. Vislumbro uma luz incompreensível sobre os campos áridos das semanas. Elevo o canto profundo do meu corpo sob o arco das tuas pernas deslumbrantes. Escrevo como se escrevesse com os meus pulmões ou como se tocasse os teus joelhos planetários ou adormecesse languidamente no teu sexo. António Ramos Rosa