Agora
Agora que morri de um amor incurável já não consigo
lembrar o que doeu. Olho o meu corpo estendido
sobre a ama e dou comigo a descrever a sua geografia
com o rigor invejável de um compêndio ? mas como
alguém que apenas conhecesse o mundo pelos mapas.
A morte separa-nos da dor e da sua memória ? se dobrares
neste instante o ângulo do corredor que conduz ao meu
quarto, decerto saberei o teu nome e os nomes das flores
que me trouxeres ? mas já terei esquecido o desencanto
de não as ter recebido noutro tempo, quando morrer de amor
não tinha ainda perdido o efémero estatuto de metáfora.
Maria do Rosário Pedreira
Publicado em 23 de Novembro de 2008