Guardava alguns silêncios e também as coisas que não dissera por acaso. Guardava agora também esses acasos, brancos recados entre as palavras que lhe sobravam nas gavetas. E ainda assim guardaria para sempre essas palavras, ou a imagem de lábios a dizê-las ? um rosto ainda sem ser triste lembrando o verão. Teria aguardado esse verão, o cheiro quente dos morangos à beira os dedos. E tê-lo-ia sobretudo guardado, como guardava agora, sem nunca o ter ouvido, o som das espigas, na planície, à passagem do vento. Mas agora só podia aguardar a passagem do tempo sem palavras; ou um vento de feição, um acaso que tudo justificasse. E no silêncio em que se ia guardando buscava apenas um lugar mais sereno para as memórias. Maria do Rosário Pedreira