Nem se chega a saber como um inusitado sorriso, um volver de olhos doentes, um caminhar indeciso e cego por entre as gentes, chamam a si, aglutinam, essa dor que anda suspensa ( e é dor de toda a maneira) como o vapor se condensa sobre núcleos de poeira. É essa angústia latente boiando no ar parado como um trovão iminente, que em muda voz se pressente num simples olhar trocado. Essa angústia universal, esse humano desespero, revela-se num sinal, numa ferida natural que rói com lento exagero. Não deita sangue nem pus, não se mede nem se pesa, não diz, não chora, não reza, não se explica nem traduz. A gente chega, respira, olha, sorri, cumprimenta, fala do frio que apoquenta ou do suor que transpira, e pronto, sem saber como, inútil, seco, vazio, cai na penumbra do rio, emerge, bóia, soçobra, fácil e desinteressado como um papel que se dobra por onde já foi dobrado. António Gedeão