Lembranças
Minhas entranhas são impregnadas de passados.
Estou sempre às voltas com as minhas lembranças,
a brincar-lhes passando-as delicadamente
entre meus dedos cansados, seu olor sorvendo,
absorvendo-lhes cada sensação já ímpar.
E se, por alguma artimanha casual,
pudéssemos, súbito, voltar ao lugar
já há tempos partido, revivê-lo pleno,
reconviver com as tão velhas impressões,
com a mesma velha disposição de objetos?
E se retornados a esse lugar místico
percebêssemos que ele e as pessoas estão
rigorosamente os mesmos, que o tempo não
passou-lhes, que nunca mais haverá saudade?
As paredes, então, não se nos mostrariam
escuras, enegrecidas como se muito
surradas pelas visões de tantas histórias,
como se, assim como conosco, lhes pesasse
o passado, ferida sempre aberta na alma
– a saudade – que jamais cicatrizará.
E se pudéssemos ser aqueles de outrora
sem sermos criaturas estranhas à gente?
E se fôssemos continuamente tão nossos
a ponto de não mais precisarmos chorar?
Tão nossos que o amanhã jamais derramaria
sobre nossas cabeças suas incertezas,
e o fogo do agora nos governaria?
E se nunca perdêssemos essa vontade
essa volúpia dos reencontros tardios
em que a única coisa a ser feita é comer
devorar os instantes, por si só, fugazes?
Hoje, contemplando antigas fotografias,
percebi que as lembranças me são dolorosas
porque embora muito presentes, são lembranças,
meramente.
André de Oliveira Coelho
Publicado em 24 de Janeiro de 2009