Minhas entranhas são impregnadas de passados. Estou sempre às voltas com as minhas lembranças, a brincar-lhes passando-as delicadamente entre meus dedos cansados, seu olor sorvendo, absorvendo-lhes cada sensação já ímpar. E se, por alguma artimanha casual, pudéssemos, súbito, voltar ao lugar já há tempos partido, revivê-lo pleno, reconviver com as tão velhas impressões, com a mesma velha disposição de objetos? E se retornados a esse lugar místico percebêssemos que ele e as pessoas estão rigorosamente os mesmos, que o tempo não passou-lhes, que nunca mais haverá saudade? As paredes, então, não se nos mostrariam escuras, enegrecidas como se muito surradas pelas visões de tantas histórias, como se, assim como conosco, lhes pesasse o passado, ferida sempre aberta na alma – a saudade – que jamais cicatrizará. E se pudéssemos ser aqueles de outrora sem sermos criaturas estranhas à gente? E se fôssemos continuamente tão nossos a ponto de não mais precisarmos chorar? Tão nossos que o amanhã jamais derramaria sobre nossas cabeças suas incertezas, e o fogo do agora nos governaria? E se nunca perdêssemos essa vontade essa volúpia dos reencontros tardios em que a única coisa a ser feita é comer devorar os instantes, por si só, fugazes? Hoje, contemplando antigas fotografias, percebi que as lembranças me são dolorosas porque embora muito presentes, são lembranças, meramente. André de Oliveira Coelho