Hoje chove muito, muito, e parece que estão lavando o mundo. meu vizinho do lado contempla a chuva e pensa em escrever uma carta de amor uma carta à mulher que vive com ele e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele e parece sua sombra meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher entra em casa pela janela e não pela porta por uma porta se entra em muitos lugares no trabalho, no quartel, no cárcere, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher nem na alma quer dizer nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim como hoje que chove muito e me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e somente a alma sabe onde os dois se encontram e quando e como mas o que pode a alma explicar? por isso meu vizinho tem tormentas na boca palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amo e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá como o silêncio que há entre duas rosas ou como eu que escrevo palavras para voltar ao meu vizinho que contempla a chuva à chuva ao meu coração desterrado. Juan Gelman