(gentileza de Amélia Pais) «E agora, vamos ao que mais importa»: saber, na escrita, devolver aos outros a força perdida neste tempo sujo. Recuperar até o som das tempestades, algum cheiro a serra, campainhas, guizos. E agora, vamos recomeçar as histórias das fantasias todas no lameiro ou na nespereira. Se não há bosque, já, nem milho alto, perto da ribeira, importa voltar a sentir a força da isolada aldeia. Subir ao monte e raspar a mica. «E agora, vamos ao que mais importa». «Vamos jogar de propósito destinado» e recuperar o forte jogo da bilharda. Ajudem-nos então a escancarar portões de gonzos ferrugentos. Vamos voltar a encher a loja de estrume fumegante. Abrir as tulhas e caiar paredes. Reconstruir canastro e pôr as telhas novas. Trazer os gatos para fugirem ratos. Abrir o forno para cozer o pão. Levar os potes para o fogo da lareira. Ferrar cavalos, ensinar os cães. Plantar árvores, semear os campos. E sobre a casa, como em tempos outros, erguer o ramo de nova construção. «E assim prosseguimos o volteio», no sábio ensinamento doutros mestres. Franciscanos dizem que já somos, quando apenas queremos dar as mãos. E as mãos se juntam, ainda não em prece, mas em trabalho. No reconstruir a pedra da linguagem, o desejo de um altar feito de pão que ainda temos que amassar. A oferta somos nós ? assim nos damos. Bom começo para quem muito quer andar. Peregrinos seremos, mas mais tarde. Nómadas, errantes, profetas se o quiserem. Mas agora, com o mestre, prosseguimos o volteio. «Cada mensagem é uma abertura para o Ser». Obscuros são certos dizeres mas a fria claridade também cega. Não há cavernas, nem oiro, nem o raio que ilumine de súbito a multidão. Cada mensagem nossa é curta, mas é nossa, mesmo no tremor com que dizemos certos versos. Melhor assim: melhor a abertura para o Ser. O outro ainda não sabe, nem conhece. Está longe, na bruma do riacho, ou nas torres medonhas das cidades. Façamos lume com as pedras, para aprendermos a incendiar também nossas palavras novas. Eduardo Guerra Carneiro