(gentileza de Amélia Pais) Noutro lugar, não aqui, uma mulher poderia trocar algo entre o belo e lugar nenhum, de regresso ali e aqui, poderia fazer progressos na sua agitada vida, mas eu tentei imaginar um mar que não sangrasse, um olhar de rapariga cheio como um verso, uma mulher a envelhecer e sem chorar nunca ao som de um rádio a sibilar o homicídio de um rapaz negro. Tentei que a minha garganta gorjeasse como a de uma ave. Escutei o duro bisbilhotar de raça que habita esta estrada. Mesmo nisto tentei murmurar lama e plumas e sentar-me tranquilamente nesta folhagem de ossos e chuva. Mastiguei algumas folhas votivas aqui, o seu sabor já a desencantar as minhas mães. Tentei escrever isto calmamente mesmo quando as linhas ardem até ao fim. Acabei por aprender algo simples. Cada frase imaginada ou sonhada salta como uma pulsação com história e toma partido. O que eu digo em qualquer língua é dito com perfeito conhecimento da pele, em embriaguez e pranto, dito como uma mulher sem fósforos e mecha, não em palavras e em palavras e em palavras decoradas, contadas em segredo e sem ser em segredo, e escuta, não se extingue nem desaparece e é abundante e impiedoso e ama. Dionne Brand