(gentileza de Amélia Pais) As palavras do nosso dia são palavras simples claras como a água do regato, jorrando das encostas ferruginosas na manhã clara do dia-a-dia. É assim que eu te falo, meu irmão contratado numa roça de café meu irmão que deixas teu sangue numa ponte ou navegas no mar, num pedaço de ti mesmo em luta com o gandu Minha irmã, lavando, lavando p’lo pão dos seus filhos, minha irmã vendendo caroço na loja mais próxima p’lo luto dos seus mortos, minha irmã conformada vendendo-se por uma vida mais serena, aumentando afinal as suas penas… É para vós, irmãos, companheiros da estrada o meu grito de esperança convosco eu me sinto dançando nas noites de tuna em qualquer fundão, onde a gente se junta, convosco, irmãos, na safra do cacau, convosco ainda na feira, onde o izaquente e a galinha vão render dinheiro. Convosco, impelindo a canoa p’la praia juntando-me convosco em redor do voador panhá juntando-me na gamela vadô tlebessá a dez tostões. Mas as nossas mãos milenárias separam-se na areia imensa desta praia de S. João porque eu sei, irmão meu, tisnado como eu p’la vida, tu pensas irmão da canoa que nós os dois, carne da mesma carne batidos p’los vendavais do tornado não estamos do mesmo lado da canoa. Escureceu de repente. Lá longe no outro lado da Praia na ponta de S. Marçal há luzes, muitas luzes nos quixipás sombrios… O pito dóxi arrepiante, em sinais misteriosos convida à unção desta noite feiticeira… Aqui só os iniciados no ritmo frenético dum batuque de encomendação aqui os irmão do Santu requebrando loucamente suas cadeiras soltando gritos desgarrados, palavras, gestos, na loucura dum rito secular. Neste lado da canoa, eu também estou irmão, na tua voz agonizante, encomendando preces, juras, maldições. Estou aqui, sim, irmão nos nozados sem tréguas onde a gente joga a vida dos nossos filhos. Estou aqui, sim, meu irmão no mesmo lado da canoa. Mas nós queremos ainda uma coisa mais bela. Queremos unir as nossas mãos milenárias, das docas dos guindastes das roças, das praias numa liga grande, comprida dum pólo a outro da terra p’los sonhos dos nossos filhos para nos situarmos todos do mesmo lado da canoa. E a tarde desce… A canoa desliza serena, rumo à Praia Maravilhosa onde se juntam os nossos braços e nos sentamos todos, lado a lado, na canoa das nossas praias. Alda do Espírito Santo