Formosa. Esses peitos pequenos, cheios. Esse ventre, o seu redondo espraiado! O vinco da cinta, o gracioso umbigo, o escorrido das ancas, o púbis discreto ligeiramente alteado, as coxas esbeltas, um joelho único suave e agudo, o coto de um braço, o tronco robusto, a linha cariciosa do ombro... Afrodite, não chorei quando te descobri? Aquele museu plácido, tantas memórias da Grécia e de Roma! Tantas figuras graves, de gestos nobres e de frontes tranquilas, abstractas... Mas aquela sala vasta, cheia, não era uma necró- pole. Era uma assembleia de amáveis espíritos, divaga- dores, ente si trocando serenas, eternas e nunca desprezadas razões formais. Afrodite, Afrodite, tão humana e sem tempo... O descanso desse teu gesto! A perna que encobre a outra, que aperta o corpo. A doce oferta desse pomo tentador: peito e ventre. E um fumo, uma impressão tão subtil e tão pro- vocante de pudor, de volúpia, de reserva, de abandono... Já passaram sobre ti dois mil anos? Estranha obra de um homem! Que doçura espalhas e que grandeza... És o equilíbrio e a harmonia e não és senão corpo. Não és mística, não exacerbas, não angústias. Geras o sonho do amor. Praxíteles. Como pudeste criar Afrodite? E não a macerar, delapidar, arruinar, na ânsia de a vencer, gozar! Tinha de assim ser. Eternizaste-a! A beleza, o desejo, a promessa, a doce carne... Irene Lisboa