Era uma vez um rapaz...
Era uma vez um rapaz que andava assustado
quem não o conhecia pensava ora ali vai um tipo calmo
mas não era bem o caso
afinal
o rapaz andava a sentir-se
ultimamente
demasiado órfão
e o tamanho dos seus olhos diminuía, diminuía, diminuía
pois mais que serem janelas os seus olhos se iam habituando à falta de luz
e as pestanas eram meras persianas
mais que janelas os seus olhos eram diques barragens e barreiras
andava o rapaz tão embrenhado no seu assustamento
que pouca atenção dava ao que à sua volta se passava
o rapaz andava perdido perdido o rapaz andava perdido
o rapaz não andava à procura o rapaz andava perdido
não sabia o rapaz
de tão baralhado que andava
que há muitas formas de ter saudade
que nem todas se conformam com mapas com fronteiras
nem todas se sossegam na contabilização das perdas
no apuramento de culpas
e de inocências
que a saudade não cabe numa cesta ou numa conversa
não cabe sequer num segredo ou numa adivinha
a saudade é algo que não precisa de ser explicado
de razão para aparecer ou ir embora
mas disso nada sabia este rapaz
como não sabia que a saudade não precisa
para ser inteira
de ter peso forma ou volume
a saudade é saudade de qualquer maneira
e metia-se o rapaz em trabalhos à procura
das gavetas dos frascos onde pudesse arrumar
tudo aquilo que o perturbava
a dor do que tinha a dor do que lhe faltava
não sabia o rapaz que a saudade pode ser acrescento
e continuar a não ter tamanho
pode aparecer hoje com força e depois
ir dar uma volta
como se fosse passear ao parque
não precisava o rapaz de estar parado
mas isso só veio a saber depois
para que as memórias o encontrassem
não haveria o rapaz de andar apardalado - pudera
é que é no trilho dessas saudades dessas memórias que se escrevem
os melhores dos nossos passos
os passos que por não terem tamanho estão à altura
dos nossos sonhos
Rui A.
Publicado em 22 de Fevereiro de 2011