Gravuras no Vento III
É flor esquecida,
esta que resta no mármore,
lembrando outra vida?
Um fruto maduro,
pendente, precisamente
na linha do muro.
Trapos do abandono
— do espantalho — vai levando
o vento do outono.
Sob o anil do céu
e ao sol — branco — um enxoval
num varal, ao vento...
Tê-las nas mãos quis,
pois jamais alguém falara
ao cego, de estrelas.
Junquilhos envergam.
Flores de neve pousando
nas hastes, de leve.
Na rua deserta
— desperdício — eis que ela passa
numa hora incerta.
Flor de velho amor,
expressiva? Só se for
— morta — a sempre-viva.
Serão. Ninguém fala.
Somente os trilos dos grilos
nos desvãos da sala.
Grávida ela passa,
e como vai cheia, cheia
de Vida e de Graça.
E o menino via:
afinal, esse "natal"...
não o merecia.
Não mais florescentes,
no lixo largadas, são
flores — defloradas.
Tatuagem móvel
no pavimento: a ramagem
ao luar e ao vento.
Que Deus o proteja
não pede. O que pede é pão
na porta da igreja.
Andorinhas: fusas
na pauta dos fios, ou...
ou semi-confusas?
Pétalas levava
— eram rosas — nas suas,
outras mãos, nervosas.
Sim, cantar mas sem
— como a cigarra — pensar
que a morte lhe vem.
Musicalizado
na folhagem, vai o vento,
músico em viagem.
Mudos nas estantes,
são pacíficos soldados?
Mudos mas prestantes.
Quase um rei deposto.
Não mais arde o sol da tarde.
No espelho, o seu rosto.
Auroralmagia!
O canto claro dos galos
clareando o dia.
Lâmina de luz
— a lagoa — estilhaçada
sob a chuvarada.
O mal da intriga
sofre o mundo mas, ao monge,
o silêncio abriga.
Somente a ilumina
— à imponente nave em sombras —
uma lamparina.
Brutos lenhadores
mas bastante foi que vissem
um ninho entre flores.
Túmida e sangrenta,
da escura folhagem surge
lenta, lenta, a lua.
Lavando e cantando,
o riacho e as lavadeiras,
cantando e lavando.
Quebrado o relógio,
fez-se eternidade o tempo
desmecanizado.
Por entre os telhados,
mamoeiras, bananeiras
— bem domesticados.
Numa folha escrevo
todo um poema: seu nome.
Na folha de um trevo.
Na concha rosada
de uma pétala, uma pérola
de orvalho, engastada.
Bagunça, arruaça,
nenhuma... a não ser dos pombos,
os donos da praça.
Sombra do seu corpo
diz que sou, mas foge e faz
sombra em minha vida.
Seixo — ao léu rolado,
rolarrolando... exilado
peso-de-papel.
Causa de desgosto,
a mensagem vai no rosto
como tatuagem.
Na ramada nua
pousado, um corvo, calado,
vê nascendo a lua.
Na clara do céu
flutua — lua de fogo —
a gema do sol.
Acaso... um acaso?
Ou proposital derrame
de tintas no ocaso?
Difuso e em surdina,
o rumor de uma cascata
dentro de uma neblina.
Pétalas caídas
ou borboletas dormidas
que o vento desperta?
Não lhe serve a prosa.
Só em linguagem poética
diga o nome "rosa".
Oldegar Vieira
Publicado em 10 de Fevereiro de 2011